Primeiro balanço à comissão
de inquérito ao BES

Capitalismo é raiz<br>dos problemas

Os trabalhos da comissão de inquérito ao BES permitiram obter uma informação muito vasta sobre este novo caso que abalou o sistema financeiro em 2014, considera o PCP, apostado como está em que o sucesso já alcançado na «obtenção de dados e apuramento de factos - ainda que com limitações - se traduza em conclusões à altura».

Sem a comissão de inquérito, proposta pelo PCP, não haveria a percepção pública que há hoje sobre o BES

A garantia da bancada comunista de redobrar esforços nesta recta final, após perto de 70 audições em cerca de quatro meses, foi transmitida pelo deputado comunista Miguel Tiago, em conferência de imprensa, dia 26, onde deixou sublinhada de forma clara a avaliação positiva do PCP - de quem partiu a proposta de constituição da comissão parlamentar de inquérito ao BES - pela primeira fase dos trabalhos, a confirmar em absoluto a oportunidade e importância da sua iniciativa.

O relatório preliminar será apresentado em 16 de Abril, seguindo-se o período de propostas de alteração pelos diversos grupos parlamentares até dia 23, estando a conclusão e relatório final prevista para 29 de Abril.

«A AR está hoje dotada de um conhecimento sobre a forma como funcionam os grupos monopolistas e sobre os elevados riscos - para a economia e para o próprio sistema político - de um sistema financeiro dominado pelo capital privado», referiu o parlamentar comunista, confiante que desse conhecimento resulte a elaboração de um relatório «capaz de mostrar aos portugueses as principais características - génese, natureza e funcionamento - de um dos maiores grupos económicos e financeiros do País e de propor conclusões que criem as bases para a solução dos problemas».

A este propósito, Miguel Tiago fez notar porém que não se pode alimentar a ideia - e o PCP nunca contribuiu para criar essa ilusão - de que tudo isto se deve à natureza de uma pessoa, ao comportamento de um gestor ou de um administrador. Esse é um erro, na perspectiva do PCP, que defende sim é a «avaliação do sistema como um todo» e a identificação dos «problemas matriciais do próprio sistema financeiro no quadro do capitalismo». E para isso, sustentou Miguel Tiago, é preciso fazer uma «avaliação transversal do papel dos reguladores, dos supervisores, dos auditores externos».

O deputado comunista considerou que cai por terra, por outro lado, depois do que aconteceu a tanto bancos em Portugal e de tantas falhas comprovadas do auditor externo, a ideia de que empresas privadas que obedecem à lei do lucro podem fazer uma vigilância sobre outras empresas privadas que querem igualmente o lucro.

E deu a este respeito o exemplo do relatório utilizado pelo PCP desde as primeiras audições, ainda antes de ter sido entregue à comissão pela «PricewaterhouseCoopers», onde esta multinacional de serviços de auditoria detecta erros no BES desde 2001. Ora acontece que os problemas nele relatados são exactamente os mesmos que acabaram por ser agora descobertos pela comissão de inquérito e que estiveram na génese do que veio a acontecer, só que esse relatório nunca terá sido comunicado ao Banco de Portugal.


Da reflexão à proposta

Incorporando reflexão e análise apurada no próprio decurso dos trabalhos da comissão de inquérito, o Grupo comunista apresentou já duas importantes iniciativas legislativas relacionadas com a matéria.

Uma, sob a forma de projecto de resolução - que foi já objecto de debate e acabou rejeitado pela maioria PSD/CDS-PP, com a abstenção do PS -, pugnava pela constituição de uma unidade técnica para apuramento dos destinatários finais dos fluxos financeiros que lesaram o BES, ou seja a criação de uma unidade técnica para saber quem ficou com o dinheiro que escapou do banco.

A outra iniciativa legislativa - um projecto de lei para o combate à criminalidade económica e financeira - tem por objectivo proibir ou limitar determinadas relações com entidades sediadas em off-shores ou jurisdições não cooperantes, com vista a pôr fim à utilização desse biombo que são os off-shores ou outras jurisdições opacas que não colaboram com as autoridades portuguesas. Este diploma está em discussão na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Miguel Tiago admitiu que outras iniciativas, propondo medidas de política, venham a ser formalizadas, contribuindo assim para a «construção das mais sólidas e produtivas conclusões possíveis» sobre este caso BES e o sector financeiro em geral, no quadro da política alternativa, patriótica e de esquerda, defendida pelo PCP, designadamente quanto à necessidade do controlo público das alavancas fundamentais da economia.


Trabalho valioso

Num olhar sobre o processo de constituição da comissão de inquérito e seu papel, Miguel Tiago não deixou de valorizar a circunstância de ter sido graças aos seus trabalhos que é possível ter hoje uma «percepção pública» mais detalhada do que aconteceu no BES e no GES, que de outro modo seria improvável, bem como das «práticas que provocaram a derrocada do Grupo» e outras de natureza idêntica ou diversa que «lesaram ao longo de décadas a economia portuguesa».

A identificação das práticas da anterior gestão do BES era de resto um dos objectivos fixados pela bancada comunista para a comissão, e que esta teve condições para cumprir a exemplo dos restantes objectivos - pese embora atrasos no envio de documentos, audições por realizar ou ausências de respostas e até bloqueio à obtenção de respostas por parte do Presidente da República -, nomeadamente quanto ao papel dos auditores externos, bem como às relações entre o BES e as entidades integrantes do universo GES.

Dos objectivos preconizados pelo PCP para a comissão fazia igualmente parte a avaliação do quadro legislativo e regulamentar (nacional e comunitário) na esfera financeira, a par da «ligação entre o estatuto patrimonial e o funcionamento do sistema financeiro» e os problemas neste verificados no plano nacional e seus impactos na economia e contas públicas.

A actuação do Governo e dos supervisores financeiros desde 2008 foi outro ponto chave que esteve sob a atenção da comissão, tal como esteve o processo e as condições de aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal e suas consequências, e, por fim, a intervenção do Fundo de Resolução e a eventual utilização de dinheiros públicos.

 

 



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